terça-feira, 25 de novembro de 2008

Sem você


Sem você
Sem amor
É tudo sofrimento
Pois você
É o amor
Que eu sempre procurei em vão
Você é o que resiste
Ao desespero
E à solidão
Nada existe
E o tempo é triste
Sem você
Meu amor
Nunca te ausentes de mim
Para que eu viva em paz
Para que eu não sofra mais
Tanta mágoa assim
No mundo sem você
Tom Jobim e Vinicius de Morais

Desencanto

Leve então
O resto desta ilusão
E todos os cuidados meus
Brinquedos dos caprichos

É pena porque foi tão lindo amar
Sentir você sonhar tão junto a mim,
Ouvir tanta promessa,
Fazer tanta esperança,
Pra hoje ver lembrança, tudo enfim

Nâo passou
De um triste desencanto, amor,
E desde então eu canto a dor
Que eu não soube chorar

Chico Buarque

Copo vazio

É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar.

É sempre bom lembrar
Que o ar sombrio de um rosto
Está cheio de um ar vazio,
Vazio daquilo que no ar do copo
Ocupa um lugar.
É sempre bom lembrar,
Guardar de cor que o ar vazio
De um rosto sombrio está cheio de dor.

É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar.
Que o ar no copo ocupa o lugar do vinho,
Que o vinho busca ocupar o lugar da dor.
Que a dor ocupa metade da verdade,
A verdadeira natureza interior.

Uma metade cheia, uma metade vazia.
Uma metade tristeza, uma metade alegria.
A magia da verdade inteira, todo poderoso amor.
A magia da verdade inteira, todo poderoso amor.

É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar.

Gilberto Gil

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Que não deveria se chamar amor

O amor que eu te tenho é um afeto tão novo
Que não deveria se chamar amor
De tão irreconhecível, tão desconhecido
Que não deveria se chamar amor

Poderia se chamar nuvem
Pois muda de formato a cada instante
Poderia se chamar tempo
Porque parece um filme que nunca assisti antes

Poderia se chamar labirinto
Pois sinto que não conseguirei escapulir
Poderia se chamar aurora
Pois vejo um novo dia que está por vir

Poderia se chamar abismo
Pois é certo que ele não tem fim
Poderia se chamar horizonte
Que parece linha reta, mas sei que não é assim

Poderia se chamar primeiro beijo
Porque não lembro mais do meu passado
Poderia se chamar último adeus
Que meu antigo futuro foi abandonado

Poderia se chamar universo
Porque nunca o entenderei por inteiro
Poderia se chamar palavra louca
Que na verdade quer dizer aventureiro

Poderia se chamar silêncio
Porque minha dor é calada e meu desejo é mudo
E poderia simplesmente não se chamar
Para não significar nada e dar sentido a tudo

Paulinho Moska

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

A seta e o alvo

Eu falo de amor à vida,
Você de medo da morte.
Eu falo da força do acaso
E você de azar ou sorte.
Eu ando num labirinto
E você numa estrada em linha reta.
Te chamo pra festa,
Mas você só quer atingir sua meta.
Sua meta é a seta no alvo,
Mas o alvo, na certa, não te espera.
Eu olho pro infinito
E você de óculos escuros.
Eu digo: "Te amo!"
E você só acredita quando eu juro.
Eu lanço minha alma no espaço,
Você pisa os pés na terra.
Eu experimento o futuro
E você só lamenta não ser o que era.
E o que era?
Era a seta no alvo,
Mas o alvo, na certa, não te espera.
Eu grito por liberdade,
Você deixa a porta se fechar.
Eu quero saber a verdade
E você se preocupa em não se machucar.
Eu corro todos os riscos,
Você diz que não tem mais vontade.
Eu me ofereço inteiro
E você se satisfaz com metade.
É a meta de uma seta no alvo,
Mas o alvo, na certa não te espera!
Então me diz qual é a graça
De já saber o fim da estrada,
Quando se parte rumo ao nada?
Sempre a meta de uma seta no alvo,
Mas o alvo, na certa, não te espera.
Então me diz qual é a graça
De já saber o fim da estrada,
Quando se parte rumo ao nada?

Paulinho Moska e Nilo Romero

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Encarnação


Carnais, sejam carnais tantos desejos,
carnais, sejam carnais tantos anseios,
palpitações e frêmitos e enleios,
das harpas da emoção tantos arpejos...
Sonhos, que vão, por trêmulos adejos,
à noite, ao luar, intumescer os seios
láteos, de finos e azulados veios
de virgindade, de pudor, de pejos...

Sejam carnais todos os sonhos brumos
de estranhos, vagos, estrelados rumos
onde as Visões do amor dormem geladas...

Sonhos, palpitações, desejos e ânsias
formem, com claridades e fragrâncias,
a encarnação das lívidas Amadas!
Cruz e Souza

Acrobata da dor

Gargalha, ri, num riso de tormenta,
como um palhaço, que desengonçado,
nervoso, ri, num riso absurdo,
inflado de uma ironia e de uma dor violenta.
Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
agita os guizos, e convulsionado
salta, gavroche, salta clown, varado
pelo estertor dessa agonia lenta ...

Pedem-se bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos,
retesa nessas macabras piruetas d'aço. . .

E embora caias sobre o chão, fremente,
afogado em teu sangue estuoso e quente, ri!
Coração, tristíssimo palhaço.

Cruz e Souza

O homem e a morte

O homem já estava deitado
Dentro da noite sem cor.
Ia adormecendo, e nisto
À porta um golpe soou.
Não era pancada forte.
Contudo, ele se assustou,
Pois nela uma qualquer coisa
De pressago adivinhou
.Levantou-se e junto à porta
- Quem bate? Ele perguntou.
- Sou eu, alguém lhe responde.
- Eu quem? Torna.
- A Morte sou.
Um vulto que bem sabia
Pela mente lhe passou:
Esqueleto armado de foice
Que a mãe lhe um dia levou.
Guardou-se de abrir a porta,
Antes ao leito voltou,
E nele os membros gelados
Cobriu, hirto de pavor.
Mas a porta, manso, manso,
Se foi abrindo e deixou
Ver – uma mulher ou anjo?
Figura toda banhada
De suave luz interior.
A luz de quem nesta vida
Tudo viu, tudo perdoou.
Olhar inefável como
De quem ao peito o criou.
Sorriso igual ao da amada
Que amara com mais amor.
- Tu és a Morte? Pergunta.
E o Anjo torna: - A Morte sou!
Venho trazer-te descanso
Do viver que te humilhou.
-Imaginava-te feia,
Pensava em ti com terror...
És mesmo a Morte? Ele insiste.
- Sim, torna o Anjo, a Morte sou,
Mestra que jamais engana,
A tua amiga melhor.
E o Anjo foi-se aproximando,
A fronte do homem tocou,
Com infinita doçura
As magras mãos lhe cerrou...
Era o carinho inefável
De quem ao peito o criou.
Era a doçura da amada
Que amara com mais amor.

Manuel Bandeira

sábado, 15 de novembro de 2008

Idade do céu


Não somos mais
Que uma gota de luz
Uma estrela que cai
Uma fagulha tão só
Na idade do céu...

Não somos o
Que queríamos ser
Somos um breve pulsar
Em um silêncio antigo
Com a idade do céu...

Calma!
Tudo está em calma
Deixe que o beijo dure
Deixe que o tempo cure
Deixe que a alma
Tenha a mesma idade
Que a idade do céu...

Não somos mais
Que um punhado de mar
Uma piada de Deus
Um capricho do sol
No jardim do céu...

Não damos pé
Entre tanto tic tac
Entre tanto Big Bang
Somos um grão de sal
No mar do céu...

Jorge Derxler (versão Paulinho Moska)

Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

Ferreira Gullar



quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Epígrafe


Sou bem-nascido. Menino,
Fui, como os demais, feliz.
Depois, veio o mau destino
E fez de mim o que quis.
Veio o mau gênio da vida,
Rompeu em meu coração,
Levou tudo de vencida,
Rugia e como um furacão,
Turbou, partiu, abateu,
Queimou sem razão nem dó
-Ah, que dor!
Magoado e só,
- Só! - meu coração ardeu:
Ardeu em gritos dementes
Na sua paixão sombria...
E dessas horas
Ficou esta cinza fria.
- Esta pouca cinza fria.
Manuel Bandeira (simplismente incomparável, único e ao mesmo tempo plural)

Um ontem que não existe mais

Você não me quer
Só porque eu não sou comum
Só porque eu não sou banal
Você não me quer
Só porque eu não sou qualquer um
Não tenho desejo algum de parecer normal
E pela cidade o que mais se diz
É que minha tristeza te deixa feliz
Mas tudo que você deseja eu já fui
E agora sua alma sozinha possui
Um ontem que não existe mais
Como ajudar
Alguém que não pede socorro?...
Alguém que não consegue chorar?
Continuar,
Se já chegamos no alto do morro
Não encontramos vales nem rios para atravessar
Quem sabe um dia eu possa chegar
Novamente no porto onde você está
À espera do velho navio que não percebeu
Que acabou de afundar?
(num)Um ontem que não existe mais

Paulinho Moska

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Nunca foi tarde


Ando pela rua a te chamar
Mas na verdade, tanto faz
Porque visto as frases que você me deu
Mas elas não me servem mais

O que aconteceu com seu futuro que era o meu?
Agora não adianta mais me responder(nem venha me dizer)
Quem passou do ponto onde era longe
E de que jeito era o certo
Porque minha dor sempre se esconde
Mas nunca sai de perto
O que aconteceu com meu futuro que era o seu?

Eu não vou provar do seu antídoto
Que me salva e me condena a me encontrar perdido
Não preciso de você pra descobrir
Que a estrada infinita que tenho que seguir
Não leva a nada
Começamos o fim...
É assim
O melhor pra você, o melhor pra mim
Eu não voltaria mesmo
E você não podia ter ficado aqui(nunca foi tarde)
E hoje quando amanhece sol
Abro a janela para a chuva
Que coincidência: tua mão
Não cabe mais na minha luva
O que aconteceu com o futuro que morreu?...Ou nunca existiu?
Você nem olhou pras coisas que admiro
e nem me ouviu
Mas era eu quem te chamava com meu último suspiro
O que aconteceu com o futuro que se perdeu?(nunca foi tarde)

Jeff Buckley / Paulinho Moska

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Eu tenho um sonho

Eu digo a você hoje, meus amigos, que embora nós enfrentemos as dificuldades de hoje e amanhã. Eu ainda tenho um sonho.
É um sonho profundamente enraizado no sonho americano.
Eu tenho um sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença - nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos, que os homens são criados iguais.
Eu tenho um sonho que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos desdentes dos donos de escravos poderão se sentar junto à mesa da fraternidade.
Eu tenho um sonho que um dia, até mesmo no estado de Mississippi, um estado que transpira com o calor da injustiça, que transpira com o calor de opressão, será transformado em um oásis de liberdade e justiça.
Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje!
Eu tenho um sonho que um dia, no Alabama, com seus racistas malignos, com seu governador que tem os lábios gotejando palavras de intervenção e negação; nesse justo dia no Alabama meninos negros e meninas negras poderão unir as mãos com meninos brancos e meninas brancas como irmãs e irmãos. Eu tenho um sonho hoje!
Eu tenho um sonho que um dia todo vale será exaltado, e todas as colinas e montanhas virão abaixo, os lugares ásperos serão aplainados e os lugares tortuosos serão endireitados e a glória do Senhor será revelada e toda a carne estará junta.

Martin Luther King em 28/08/1963

A Louca

Quando ela passa: - a veste desgrenhada,
O cabelo revolto em desalinho,
No seu olhar feroz eu adivinho
O mistério da dor que a traz penada.

Moça, tão moça e já desventurada;
Da desdita ferida pelo espinho,
Vai morta em vida assim pelo caminho,
No sudário de mágoa sepultada.

Eu sei a sua história.- Em seu passado
Houve um drama d’amor misterioso
- O segredo d’um peito torturado -

E hoje, para guardar a mágoa oculta,
Canta, soluça - coração saudoso,
Chora, gargalha, a desgraçada estulta.

Augusto dos Anjos

Esperança

A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.

Muita gente infeliz assim não pensa;
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?

Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a crença de fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro - avança!

E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da morte a me bradar: descansa!

Augusto dos Anjos

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Noturno


Quem tem coragem de perguntar, na noite imensa?
E que valem as árvores, as casas, a chuva, o pequeno transeunte?


Que vale o pensamento humano,
esforçado e vencido,na turbulência das horas?

Que valem a conversa apenas murmurada,
a erma ternura, os delicados adeuses?

Que valem as pálpebras da tímida esperança,
orvalhadas de trêmulo sal?

O sangue e a lágrima são pequenos cristais sutis,
no profundo diagrama.

E o homem tão inutilmente pensante e pensado
só tem a tristeza para distingui-lo.

Porque havia nas úmidas paragens
animais adormecidos, com o mesmo mistério humano:
grandes como pórticos, suaves como veludo,
mas sem lembranças históricas, sem compromissos de viver.

Grandes animais sem passado, sem antecedentes,
puros e límpidos,
apenas com o peso do trabalho em seus poderosos flancos
e noções de água e de primavera nas tranqüilas narinas
e na seda longa das crinas desfraldadas.

Mas a noite desmanchava-se no oriente,
cheia de flores amarelas e vermelhas.
E os cavalos erguiam, entre mil sonhos vacilantes,
erguiam no ar a vigorosa cabeça,
e começavam a puxar as imensas rodas do dia.

Ah! o despertar dos animais no vasto campo!
Este sair do sono, este continuar da vida!
O caminho que vai das pastagens etéreas da noite
ao claro dia da humana vassalagem!
Cecília Meireles

Bandeira

Eu não quero ver você cuspindo ódio
E não quero ver você fumando ópio, pra sarar a dor
Eu não quero ver você chorar veneno
Não quero beber do seu café pequeno
Eu não quero isso seja lá o que isso for...
Eu não quero aquele, eu não quero aquilo
Peixe na boca do crocodilo
Braço da Vênus de Milo acenando tchau
Não quero medir a altura do tombo
Nem passar agosto esperando setembro, se bem me lembro
O melhor futuro este hoje escuro
O melhor desejo da boca é o beijo
Eu não quero ter o Tejo me escorrendo das mãos...
Quero a Guanabara, quero o rio Nilo
Quero tudo ter, estrela, flor, estilo

Tua língua em meu mamilo, água e sal
Nada tenho, vez em quando tudo
Tudo quero, mais ou menos quanto
Vida, vida, noves fora zero
Quero viver quero ouvir quero ver
(Se é assim, quero sim, acho que vim pra te ver)

Zeca Baleiro