terça-feira, 26 de outubro de 2010

Canto de Amor

A minha dor se desfaz quando canto
Por isso não derramo pranto
O que sei é somente cantar
Toda tristeza que mora em meu peito
Me agita e me dá o direito
De sorrir pra não chorar
O dia-a-dia com seu desafio
O tempo que passa vadio
O amor que se faz sem amor
O desencanto do tudo por nada
A vida seguindo marcada
De saudade e dissabor

É por isso que eu canto, amor
É por isso que eu canto, amor

Tanto faz eu quero é viver
O meu sofrer vai se acabar
Talvez um dia
Uma alegria
Todo esse mal apagará

Délcio Carvalho / Barbosa da Silva

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A escolha

E pensar que um dia eu escolhi você
pra dividir a existência,
as poucas alegrias
e a febre que eu sentia.

Me perdi na sua busca por respostas
p'ras perguntas que você nunca vez.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Noções

Entre mim e mim, há vastidões bastantes
para a navegação dos meus desejos afligidos.

Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos.
Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que
a atinge.

Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
só recolho o gosto infinito das respostas que não se
encontram.

Virei-me sobre a minha própria existência, e contemplei-a
Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,
e este abandono para além da felicidade e da beleza.

Ó meu Deus, isto é a minha alma:
qualquer coisa que flutua sobre este corpo efêmero e
precário,
como o vento largo do oceano sobre a areia passiva e
inúmera...

Cecília Meireles

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Resultado

Em algumas horas parece tristeza,
em outras parece desordem.
Tem dias que é fúria louca,
em outros saudade enorme.

Não brinquei de amar,
amei como podia.
E agora o que tenho?
Uma cama vazia.

E se alguém disser:
- E as lembranças?
Eu repondo:
- Ah, eu não sou boa de memória

Ao coração que sofre

Ao coração que sofre, separado
Do teu, no exílio em que a chorar me vejo,
Não basta o afeto simples e sagrado
Com que das desventuras me protejo.

Não me basta saber que sou amado,
Nem só desejo o teu amor: desejo
Ter nos braços teu corpo delicado,
Ter na boca a doçura de teu beijo.

E as justas ambições que me consomem
Não me envergonham: pois maior baixeza
Não há que a terra pelo céu trocar;

E mais eleva o coração de um homem
Ser de homem sempre e, na maior pureza,
Ficar na terra e humanamente amar.

Olavo Bilac

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Eu

Até agora eu não me conhecia,
julgava que era Eu e eu não era
Aquela que em meus versos descrevera
Tão clara como a fonte e como o dia.

Mas que eu não era Eu não o sabia
mesmo que o soubesse, o não dissera...
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim... e não me via!

Andava a procurar-me - pobre louca!-
E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!

E esta ânsia de viver, que nada acalma,
E a chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!

Florbela Espanca