segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Sê compreensivo

é-nos sempre pedido
para compreender o ponto de vista
das outras pessoas
nem que seja
ultrapassado
disparatado e
horrível.
é pedido
para ver
todos os seus erros
todo o vazio das suas vidas
com
compreensão
principalmente se forem
de idade.
mas o envelhecer é o somatório de tudo
o que foi feito.
eles envelheceram
mal
porque eles
viveram
alienados,
eles recusaram-se a
ver.
a culpa não é deles?
de quem é?
minha?
é-me pedido que esconda
o meu ponto de vista
deles
devido ao medo do
medo deles.
envelhecer não é um crime
mas a vergonha
de viver deliberadamente
uma vida
vazia
no meio de tantas
vidas deliberadamente
vazias
é.

Charles Bukowski

sábado, 25 de dezembro de 2010

Natal

Se o Natal não faz sentido
ou se não pode ser feliz,
que pelo menos seja doce
ou salgado, se preferir

Nunca amargo ou azedo.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A Carlos Drummond de Andrade

Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.

Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.

Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.

Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.

Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.

João Cabral de Melo Neto

domingo, 12 de dezembro de 2010

Pois é

Pois é!
Fica o dito e o redito
Por não dito
E é difícil dizer
Que foi bonito
É inútil cantar
O que perdi...

Taí!
Nosso mais-que-perfeito
Está desfeito
O que me parecia
Tão direito
Caiu desse jeito
Sem perdão...

Então!
Disfarçar minha dor
Eu não consigo dizer:
Somos sempre bons amigos
É muita mentira para mim...

Enfim!
Hoje na solidão
Ainda custo
A entender como o amor
Foi tão injusto
Prá quem só lhe foi
Dedicação
Pois é!

Chico Buarque

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Duvidez

Você , se pede prá esquecer
já tem no coração
um nó amarrado
por quê brincar de esconder
soltar da minha mão
assim tão sem cuidado

O amor é desumano
duvidando sem saber
crescendo na ausência
na urgência de querer
a voz
o tom de
última vez
me trai , me divide
duvidez,
duvidez 10 vezes nunca mais.

Você, se pede prá me ver
parece compaixão
parece pena, perdão
por que , que flores não te dei
que mal eu não te fiz
prá merecer culpa?
adeus, um beijo prá você
a gente se vê, se der.

Lula Queiroga

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Acontece

Bateram à minha porta em 6 de agosto,
aí não havia ninguém
e ninguém entrou, sentou-se numa cadeira
e transcorreu comigo, ninguém.

Nunca me esquecerei daquela ausência
que entrava como Pedro por sua causa
e me satisfazia com o não ser,
com um vazio aberto a tudo.

Ninguém me interrogou sem dizer nada
e contestei sem ver e sem falar.

Que entrevista espaçosa e especial!

Pablo Neruda

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

As sem-razões do amor

Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

Carlos Drummond de Andrade

Parada Cardíaca

Essa minha secura
essa falta de sentimento
não tem ninguém que segure,
vem de dentro.

Vem da zona escura
donde vem o que sinto.
Sinto muito,
sentir é muito lento.

Paulo Leminski

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010